Por Roberto Carlos Rodrigues
Quando eu era criança, na longínqua década de setenta do século passado, ao acordar, costumava tomar banho e escovar os dentes na beira de uma fonte que tinha no quintal da nossa casa. Dali, precisava-se apenas levantar levemente os olhos e ver a exuberância da Mata da Rinha, que naquela época cobria os dois montes, onde atualmente está a localidade do Alto do Iraque, em Banco da Vitória.
Dos sopés daqueles montes, nos limites do sítio de dona Leonor, – este. atrás do antigo matadouro municipal de Ilhéus -. até os limites dos céus, os dois morros eram pintados de verde-escuro e pareciam que gostavam de bailar aos sabores dos ventos matinais e resplandecerem sob a luz ímpar do sol. Esses montes eram as sobrancelhas da Mata da Esperança, a vigorosa senhora local, a representante da milenar rainha Mata Atlântica, mãe do verdadeiro paraíso descrito pelo escriba e desbravador português Pero Vaz de Caminha, no meio do século XVI.
Nos seios da mata da Rinha existiam as árvores frutíferas como jaqueira, goiabeira, araçazeiro, jambeiro, groselheira, abacateiro, abieiro, caramboleira, jenipapeiro e ingazeira que se misturavam aos pés de oitis, eucaliptos, biribas, jatobás, louro-pardos, jequitibás, sucupiras, urucum e as inúmeras palmeiras, principalmente as juçaras, no meio das suas primas macaúba, buriti, coco-da-baía, babaçu e licuri. Havia ali também pequenas plantações de canas, laranjas, limões, pimentas e coqueiros. O morro da Mata da Rinha era vivo e verde.
Naquela época só existiam apenas duas casas no meio daquela pequena altiva floresta. Eram as casas do sítio de seu Raimundo Ribeiro, na parte mais ocidental do morro e a roça de seu Aprígio Lacerda, na parte oriental. Neste último havia uma famosa rinha de galos. Por essa prática de apostas em briga de galináceos, aquela região se chamava Alto da Mata da Rinha.
A estrada de acesso à Mata da Rinha se dava exclusivamente pela antiga estrada Ilhéus – Itabuna, que cortava a Mata da Esperança, desbeiçava no Banco da Vitória e adentrava nas terras da antiga Sesmaria Victória e dali rumava para Itabuna. Entrar na mata da Rinha e na mata da Esperança só era possível pelos altos dos dois morros. Na parte de baixo dos morros havia uma antiga pedreira no sítio de Dona Leonor, que dificultava o acesso a parte de cima.
A mata da Rinha, era, pode-se assim dizer, uma pequena amostra da exuberância da Mata Atlântica. Além das árvores nativas e das plantadas pelos colonos, havia diversos animais e pássaros. Esses fervilhavam nos ares e devido os seus cantos ininterruptos, podia-se dizer que a mata da Rinha literalmente cantava.
No meio da mata da Rinha ficava a nascente da fonte da Bica da Água Boa, que antes de 1955, ano da abertura oficial da nova rodovia Ilhéus Itabuna, essa água caía diretamente no rio Cachoeira. Com a abertura dessa estrada, foi então construído nos anos sessenta, por iniciativa do Dr. Halil Medauar, dono do hospital psiquiátrico homônimo, existente no Banco da Vitória, o famoso chafariz da Bica da Água Boa.
Nas décadas de setenta e oitenta do século passado, a Mata da Rinha era uma floresta misteriosa e medonha para as crianças do Banco da Vitória. Por aquelas plagas, se dizia que andavam caiporas, sacis, bruxas, orixás e fugitivos da justiça. Por essas razões, a mata da Rinha era apenas uma visão próxima da nossa comunidade. Pouca gente ousava adentrar aquelas veredas enverdecidas e úmidas. Naquela época a mata da Rinha protegia as pessoas do Banco da Vitória. O nosso medo protegia as matas. A harmonia natural predominava sobre todos nós.
Quando o século XX se findou, já haviam algumas roças na mata da Rinha e pouco da mata original se via no local. No ano de 2003, quando houve a invasão norte-americana no Iraque, no Oriente Médio, o morro da Mata da Rinha, foi também invadido por pessoas que procuravam locais para construírem suas moradias. Neste período a mata da Rinha foi fatalmente atingida e desapareceu completamente. A invasão norte-americana inspirou o nome da nova invasão habitacional no Banco da Vitória. Atualmente a localidade Alto do Iraque ocupa toda a área da antiga Mata da Rinha.
Por esses dias, enquanto tomo meu banho solar diário, vejo da laje da minha casa o desenvolvimento do Alto do Iraque e nada relembra a antiga mata da Rinha, seus verdes sorrisos e os cantares e decantares dos seus pássaros. Parece, e assim suponho pelos meus velhos olhos, que restou apenas uma frondosa jaqueira quase no cume dos montes das antigas sobrancelhas da Mata da Esperança. Vejo que restou uma única jaqueira como testemunha da medonha destruição humana. Uma única árvore em pé, como um fantasma vivo, domado e silencioso. Uma única árvore como um alerta. Um verdadeiro grito em silêncio. Apenas uma árvore e tantas perguntas sem respostas.
Então, nota-se facilmente que em apenas vinte anos a Mata da Rinha sumiu das paisagens do Banco da Vitória. Da milenar Mata Atlântica, por esses ares, sobrou apenas a reserva da Mata da Esperança. Contudo, pesquisando nas imagens de satélites disponibilizadas pelo Google Maps se constata que essa floresta está sendo lentamente invadida e destruída e, pelo andar da carruagem, em poucos anos poderá também desaparecer, assim como sumiu a Mata da Rinha. A esperança ainda continua nessa mata, mas essa, de medo, se encolheu e quase nem vocifera.
Uma coisa eu acredito: depois que expulsaram a Caipora e o Saci da Mata da Rinha, nada mais pode ser feito por ali. A não ser rezar e implorar proteção a Tupã. E, pelo visto, o deus das florestas anda meio sumido dessas paisagens. Por ali, os outros deuses locais apenas murmuram e nada fazem.
Por aqui, no deserto que hoje cerca nossa localidade, Lúcifer anda com uma moto cerra nas costas e seus diabos usam paletós e gravatas e adoram assinar documentos com canetas azuis.
Da mata da Rinha só restaram poucas e pueris lembranças. De tudo que foi a mata da Rinha só restou uma árvore. Uma velha jaqueira que, por suas silenciosas razões, insiste em doar frutos muito deliciosos e doces para um povo simplesmente ingrato.
Por ali a rinha acabou, a mata acabou, a água secou e os pássaros foram embora. Até quem tem as lembranças, às vezes, desacredita das suas recordações. A Mata da Rinha sumiu.
Nem os fantasmas dos galos mortos na antiga rinha cantam nas madrugadas da outrora mata. A Mata da Rinha morreu e foi sepultada como indigente no cemitério das nossas saudades.
Esse, é um relato pálido e marrom. Muito diferente do antigo verde, brilhoso e encantador, dos matizes da velha mata da rinha. A velha verde que o tempo levou e muitas pessoas simplesmente insistem em esquecer de lembrar.
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